Por uma sociedade justa e solidária


Concordo que Lula é a maior liderança da esquerda, no momento, mas pondero que o apoio a ele não pode ser incondicional. Na verdade, se houvesse outra liderança que reunisse as condições de, numa frente ampla da centro-esquerda, derrotar a direita, talvez fosse melhor para o momento político que vivemos, conflituoso, com polarização exacerbada contra e a favor do Partido dos Trabalhadores e em relação ao próprio Lula.

Lula é a maior liderança viva da esquerda, com uma história de vida extraordinária e uma capacidade de comunicação com o povo inigualável no momento. Traz, em sua bagagem, a experiência de um sindicalista ousado e comprometido com os trabalhadores. E afeito à negociação sindical. Sua visão do ganha-ganha, ou seja, de todos ganharem em seu governo, patrões, trabalhadores e banqueiros (e estes muito, muito mais que os outros), reflete uma certa conciliação de classe, que permite ganhos básicos e, sem dúvida, importantes para os trabalhadores e despossuídos, mas não avança nas reformas estruturais, que levariam a tensões e consequentes avanços no processo de fortalecimento de consciência de classe e no movimento no sentido de uma sociedade socialista.

Lula foi, temos que reconhecer, pouco incisivo em relação à reforma agrária, à violência no campo, ao uso criminoso de agrotóxico e expansão desordenada e predatória das fronteiras agrícolas. Não mexeu em pontos cruciais de um programa de um governo democrático e popular, como a reforma fiscal, o que na prática penaliza a classe média, que paga imposto de renda na folha de salário, enquanto as grandes fortunas, o empresariado, com as isenções fiscais, e o capital financeiro foram todos beneficiados. A reforma urbana limitou-se à “minha casa, minha vida”, importantíssima, mas quase sempre deslocando os pobres mais ainda para a periferia. O combate à especulação imobiliária, a mobilidade urbana, o ordenamento e padrões de construções, a preservação do meio ambiente urbano, o saneamento básico, foram incentivados com muita timidez.


Embora houvesse uma ampliação justa do acesso à universidade, com mais vagas, cotas, financiamento, no ganha-ganha transferiu-se recursos públicos para o setor empresarial da educação, o que permitiu a expansão desordenada e, muitas vezes, desqualificada de faculdades. E, o mais grave, não se fez a revolução libertadora do conhecimento, na visão de Paulo Freire, e a educação continuou bancária, autoritária, unidirecional, estimuladora da competição e não da solidariedade, da violência e não de uma cultura de paz, do preconceito e não do reconhecimento e aceitação das diferenças, do aprendizado “meritocrático” e não aquele mediado pelas relações humanas.

Na reforma política é que a omissão foi maior, o que favoreceu práticas tradicionais abusivas, patrimonialistas, corruptoras de consciências. Em relação à cultura, pedra de toque da consciência cidadã, do sentimento de pertença, da solidariedade coletiva e de atitudes e condutas nas relações humanas, na relação com a natureza e no trato com a coisa pública, houve uma omissão preocupante e desastrosa, associada com a completa timidez em criar mecanismos efetivos, amplos, comunitários de comunicação de massa, que fortalecessem o debate político franco, democrático e libertador. Se precisarmos, mais uma vez, apoiar e votar em Lula, por sua capacidade de resistência, por ser um líder que alcançou o “inconsciente coletivo” do povo como o verdadeiro “pai dos pobres”, iremos sim apoiá-lo com toda nossa capacidade de mobilização, de todas as formas possíveis, mas não podemos abrir mão do debate honesto e fraterno na perspectiva da construção de uma sociedade justa e solidária, na construção de um caminho rumo a uma sociedade socialista.

Manoel Fonseca é membro do Movimento Médicos pela Democracia

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